sábado, 1 de maio de 2010

Dois jantares diferentes


O texto a seguir é um relato de um jantar brasileiro que minha esposa e eu preparamos em 2007, quando morávamos em Athens, estado da Geórgia-EUA, e frequentávamos uma igreja local. Foi uma experiência bastante divertida. Achei-o entre os meus guardados e resolvi reescrevê-lo aqui. Espero que apreciem a leitura.

Dois jantares diferentes

Então, deixe-me contar como é que foi.
Tudo começou em março, quando fomos praticamente intimados pelos Helwig, casal líder do nosso grupo de comunhão que se reúne geralmente às 18h do segundo domingo de cada mês para jantar e, em seguida, cantar, ouvir uma palestra e orar. Uma beleza, esses encontros. Pessoal simpático e tal. Pois bem, fomos intimados a fazer um jantar à la brasileira. Eles nos deram uma quantia em dinheiro para as despesas com supermercado e minha esposa e eu faríamos tudo. Aqui cabe um parêntese: como eu nunca fiz comida para muita gente–15 pessoas, em média–e minha esposa muito menos, eu estava confiando que minha sogra, gentil e prestativamente, viesse dar uma força com esse jantar. Aceitamos o compromisso e até decidimos antecipadamente o cardápio: feijoada. Tem algo mais brasileiro que feijoada? Não. Na verdade, eu contei com os ovos ainda dentro da galinha. Quase na hora "H", minha sogra ligou dizendo que não poderia vir. Imagine o Deus-nos-acuda! Não existe aquele ditado: “Não tem tu? vai tu mesmo!”? Então! Tive que assumir a cozinha.

À noite do sábado anterior à reunião, as sobremesas já estavam prontas: pudim maria-mole de coco com goiabada, musse de maracujá, bolo de cenoura com cobertura de chocolate e bombons sonho-de-valsa. As demais coisas, todas encaminhadas: feijão de molho, arroz lavado, carnes e linguiças partidas e o frango, temperado. Fomos dormir exaustos na certeza de que uma boa noite de sono nos reporia toda a energia necessária para fazermos a feijoada-algo que nunca havíamos feito antes,-depois que voltássemos do culto matinal, que termina, normalmente, após ao meio-dia do domingo.


Três da tarde. Frenesi total. Panela pra tudo quanto é lado na nossa pequena cozinha. Feijão no fogo. Frango no forno. Panelas no fogão com cebola fritando, pra fazer a farofa. Tábua de cortar verduras ocupada com azeitonas, passas, bacon, tudo cortadinho. Um calor "duzinferno" dentro do apartamento. Um cheiro bom de comida gostosa no ar. Mila Cátea na cozinha, abanando o rabo pra gente, feliz da vida, achando que estava à porta do céu dos cachorrinhos.

Minha esposa fez um afago nela e perguntou-lhe se estava com fome. Então pegou uma banana, corta-a em pedaços e colocou na cumbuca dela. Banana é das frutas prediletas da cachorra. Mila Cátea olhou perplexa com uma cara de: “Como assim?!”

Cinco da tarde: a feijoada estava ficando pronta. O frango estava pronto. O arroz pronto. A farofa pronta. O pão-de-queijo estava quase pronto. Corre-corre pra todo mundo. Minha esposa foi levar as crianças para o grupo de comunhão deles–crianças/adolescentes–que se reúne nas dependências da igreja . Quando foi levá-las, resolveu matar dois coelhos com uma cajadada só: aproveitou as mãos livres deles para que segurassem as sobremesas e já passou na casa dos Helwig, que é onde se reúne o nosso grupo, e as deixou lá. Eu fiquei em casa vigiando o pão de queijo no forno e acondicionando as comidas da melhor forma possível para que não derramassem pelo carro, quando fôssemos até a casa dos Helwig. Em seguida, fui tomar meu banho. Imagine o cheiro de tia Nastácia após o dia todo detrás do fogão!


5h50: tudo pronto, tudo no carro. Lá fomos nós. Devagar e sempre que era pra não fazer uma lambança no carro.


Não precisaria dizer, mas vou fazê-lo mesmo assim: foi um sucesso de bilheteria. Os americanos adoraram a feijoada. Verdade seja dita: ficou mesmo uma delícia! O pão-de-queijo foi um sucesso total. Até do frango assado que, na minha modesta e humilde opinião, ficou xoxo, teve gente que repetiu. Comeram até não mais poder. As sobremesas, todas feitas por minha esposa, não ficaram atrás. Os americanos, sempre tão contidos pra provar coisas novas, comeram, comeram e comeram.


Claro que sobrou um horror de comida. Trouxemos de volta para casa quase tudo. Parêntese: aqui o povo não leva uma marmita feita no final da festa para suas casas (como é comum no Brasil), ainda que o jantar seja na casa de um irmão. Na verdade, cada um leva de volta apenas o que sobrou daquilo que trouxe. Exemplo: se você levou um refrigerante que só foi consumido pela metade, você volta pra sua casa com a outra metade do refrigerante. Bom, eu nem achei tão ruim assim esse costume, afinal agora teremos comida pra hoje, amanhã, depois de amanhã e, talvez, ainda para o dia seguinte.


Ao chegarmos em casa com nossas comidas, cansados e realizados com o sucesso do jantar brasileiro, sentimos um cheiro diferente no ar. Um cheiro bom, de fruta. Era a banana de Mila Cátea, intocada, que jazia na cumbuca dela, incensando a casa.

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