terça-feira, 18 de dezembro de 2018

O voo da minha andorinha



Hoje minha manhã foi melancolicamente triste. Uma manhã com sabor de oco no estômago. De ninho esvaziado pelo vôo da minha andorinha. Um vôo anunciado há muito. Dias, meses, anos, sei lá quanto tempo! Na verdade, desde sempre, porque filhos não nascem pra ficarem grudados nos coses das calças dos pais. Aliás, eles nascem pra saírem de casa. É a ordem natural da vida. É o normal e esperado. A gente vê crianças crescerem e saírem de suas casas todos os dias. Todos os dias. E a gente assiste isso acontecer com muita naturalidade nas casas dos nossos vizinhos, dos nossos parentes, dos nossos amigos e exclama, num suspiro conformado: é a vida! E a gente meio que internaliza esse processo corriqueiro de despedida dos filhos. Ou melhor, pensa que internaliza. Até que essa despedida acontece na nossa casa. E, não mais que de repente, a gente se dá conta que nunca esteve preparado pra esse momento.

Hoje, pela manhã, enquanto a acompanhava ao corredor que dava acesso ao portão de embarque me percebi atordoado, sem saber o que dizer ou como proceder diante daquele quadro inexorável que se me apresentava nada familiar, nunca natural e muito menos corriqueiro. Ali ia o meu coração trêmulo querendo segurá-la e gritar: FICA MAIS UNS DIAS, PLESE! E, à medida que seguíamos, meu velho coração soluçava internamente seu pranto abafado pelo barulho do aeroporto. Minha voz, enrouquecida pela emoção, balbuciava desconexos “vai dar tudo certo, filha!” tentando disfarçar o nervoso da despedida, o medo da separação, a dor da insegurança e da impotência por vê-la partir assim, para longe de mim, sem outra certeza humana que não o vazio da separação iminente, implacável, austero e estranhamente real.

E na minha mente passava o filme da sua vida, recheado de bons e felizes episódios, todos editados pelo coração de pai apaixonado: “Gabe princesa: de menina à mulher.” E a cada flashback eu queria pegá-la nos meus braços e sequestrá-la para longe daquele corredor. Correr de dor. Correr da dor daquele adeus. Segurá-la e dizer: você é minha, você não vai! Oh, Gabe, que falta você faz. Que buraco que ficou nessa Taguatinga enorme. Você será sempre minha menina. No meu coração eu sempre pentearei seus lindos cabelos ondulados, farei cachos bonitos e, quando chegar a casa, cansado do trabalho, deitarei no sofá e emprestarei minha cara para você treinar suas pinturas...

Então nós nos sentamos um pouco, abraçados e silentes. Aí você me pediu: “pai, ora por mim.” As tantas orações que já fiz por você não serviram de ensaio para aquela. Eu nem sei o que pedi a Deus. Naqueles instantes de silêncio, meu coração urrava intensamente. Os olhos fechados, em vão tentavam conter as comportas da alma e minha boca tremia, sem saber como e o que orar... Só a caminho de casa, enleado pela saudade pungente, tive condições de racionalmente agradecer a Deus pela dádiva de ter tido você como filha. De olhar hoje para você e reconhecer as tantas coisas bonitas que há em você, presente de um Deus graciosamente bom para comigo. Confessar meu medo de perdê-la, mas saber que ELE tem o controle total de sua vida e que, ainda que em algum momento você ande por um vale de tristeza e de dor, ELE estará com você. Também me lembrei de pedir que em cada dia você se volte mais para ELE e, como diz a Palavra de Deus – a qual lemos tantas vezes juntos – “confie no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconheça-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas*.” Foi essa minha oração por você, Gabe.

Uma vez, você ainda era criança, eu falei que no dia do seu casamento eu gostaria de cantar uma música do Vinícius de Moraes, chamada “Eu sei que vou te amar”. Hoje não foi o dia do seu casamento, tampouco aquele corredor era o que lhe levaria ao altar, entretanto, enquanto você seguia naquela fila, eu cantava de mim para mim mesmo:

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida
I love you, sweet heart. Never forget that I am and will always be here for you, no matter what. Despite the troubles the life might bring, I do expect you to overcome all of them and be successful because of what’s inside of yourself. I know the strong girl I helped bring up.
All my love,
Dad


*Provérbios 3:5,6

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Da Realidade à Ficção

Pouca gente sabe, mas papai e mamãe tiveram uma crise colossal no casamento. Foi uma época terrível. O fim do ano de 65 se aproximava e a coisa em casa estava muito, muito feia.
No início de dezembro, papai saiu de casa. Não dava mais. Simples assim – esse tipo de “simples” que só casais entendem – apesar de se amarem loucamente. A verdade é que não durou nem dez dias essa separação. Papai e mamãe perceberam que não conseguiriam viver um sem o outro. Simples assim (novamente). Fizeram juras mil, renovaram seus votos, etc e tal e tiveram uma daquelas noites memoráveis de amor. Previsível, claro.
Chegou 1966. Novo ano, nova vida e... nova gravidez descoberta: a quarta! Eles já tinham três meninas. Naquela época não havia esse negócio de ultrassonografia nem nada. Tudo se sabia pela leitura do que se pensava estar escrito nas estrelas.
A gravidez seguia tranquila, como nenhuma das anteriores. O casamento, mais sólido que nunca, atravessava, talvez, sua fase mais paz & amor jamais vivida. A medida que os meses se passavam – naquela época a gravidez era contada em meses, não em semanas, como o é hoje – a expectativa com a chegada de mais uma criança alegrava e unia a família em um só coração. Finalmente chegou setembro e mamãe ‘descansou’. Quando a parteira anunciou que era um menino, mamãe, emocionada, exclamou: “Nasceu meu raio de sol!” Foi uma alegria geral em casa e naquela cidadezinha do interior. Mamãe recebeu muitas flores. Era praticamente o início da primavera.
Papai, um romântico inveterado, contou essa história para um amigo que ele tinha; um compositor praticamente desconhecido à época, e perguntou se ele poderia compor uma música para que papai oferecesse à mamãe. De muito bom grado, seu amigo aceitou o desafio.
E foi assim que Beto Guedes compôs “Sol de Primavera”, que em pouco tempo viraria um tremendo sucesso nacional. Se você não conhece essa música, clique no link abaixo que você vai constatar que melodia e letra lindas!

domingo, 13 de agosto de 2017

Celebrando a paternidade III

Então, neste dia dos pais, seguindo a 'tradição' iniciada há dois anos, quero externar minha gratidão e também homenagear a essa menina que me fez enxergar e exercer a paternidade com uma cor diferente da azul: minha filha Gabriela.


Na minha cabeça, passava um pouco do meio da manhã quando eu soube que seria pai de menina. Eita, que meu coração chega acelerou! Você nem tem ideia de como me senti naquela hora. Era a terceira vez que eu seria pai, sendo que as duas anteriores foram pai de menino. Nesse sentido, eu poderia ouvir um sonoro “Parabéns! Outro meninão!” para dar continuidade à sequência. E, de verdade, eu gostava de ser pai de menino, mas, puxa vida, dessa vez eu estava torcendo pra ser pai de menina. E foi nesse TUCO-TUCO-TUCO do meu coração que esperei pacientemente checarem se o crânio estava intacto, se os pulmões estavam bem formados, o número de costelas, o coração, o fígado, o baço, as pernas, os braços, enfim, se o corpo todo estava em perfeito estado. Demorou horas mostrando aqui e ali e acolá até que, finalmente, foi direto ao ponto e falou: “aqui rachou tudo!” E eu, meio abobado, perguntei o óbvio: “É... é menina?” Era você, linda desde sempre!
Lembro de ter usado um orelhão que havia próximo à clínica para comunicar as alvíssaras para as avós. A expectativa de sua chegada rachou todos os corações de alegria (risos!).
Quando você chegou, eu tinha 32 anos. Você trouxe um sabor diferente à minha paternidade, um sentimento de completude, talvez. Aprendi a ver a vida por uma perspectiva diferente, mais branda, mais colorida, com mais sensibilidade. Aprendi que para desembaraçar e pentear seu cabelo encaracolado sem doer, eu precisaria usar muito creme. Isso foi uma metáfora pra vida, pois muitas situações que se mostram embaraçadas precisam de algum tipo de creme. E isso foi apenas o começo, porque a partir daí eu aprendi a fazer tranças, modelar os cachinhos, a escovar, etc. Tantas vezes fui seu manequim vivo para você experimentar as cores e texturas de suas paletas. E a vida, filha, é bem assim mesmo: a gente precisa oportunizar às pessoas crescerem, ajudando-as a descobrir e desenvolver seus talentos naturais. Enfim, foram tantas experiências vividas e aprendidas durante sua infância e adolescência (que você mal acabou de sair).
Com você eu também aprendi que as coisas não precisam ser tão a ferro e fogo, ou seja, há que se ser mais maleável na vida. Aprendi a ser mais paciente e que em negociações nem sempre dá para se usar os argumentos mais lógicos. E tantas outras coisas mais.
Hoje, um tanto distantes e distanciados pelas circunstâncias, sigo aprendendo com você, porque é isso que eu sou em essência: um pai aprendiz. Portanto, quero expressar aqui minha gratidão pela sua participação nesse meu processo de paternidade ora divertido, ora tenso, prazeroso e doloroso, com altos e baixos, e longe, bem longe (espero) de se dar por completo.
Um beijo cheio de ternura.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

O sim que já mais não

Não foi meu viés político,
Nem a simplicidade do meu recanto,
Nem mesmo a falta de tempo investido,
Nem ainda os quilômetros que se nos interpuseram,
Ou as arestas não aparadas.
Não, por favor, não foi nada disso.
Não aponte as circunstâncias,
Nem as dores da caminhada,
Não fale da minha inabilidade,
Nem da sua inexperiência.

Chega de deslealdade,
Chega de cara de paisagem,
Chega de pretensas efusividades,
Chega de aparentes amenidades.

Não sei se me cansei,
Nem sei se ainda quero o que sempre desejei,
Não sei se a esperança feneceu,
Não sei tanta coisa!
Mas do pouco que sei,
Uma coisa é certa
Também não ouvirei de você
O pedido de perdão.

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Procê ir



Já caminhei tanto nessa vida
vagando por esse mundão de meu Deus.

Caminhei muito
muito mesmo:
quilômetros,
milhas,
distâncias intercontinentais.

Caminhadas malamanhadas,
modornentas e tediosas.
Daí passei a correr.
Ah, eu corri.
No início, devagar, descrençado,
e depois depressa.

Sim, 
e corri de pressa,
corri de dor,
corri de medo,
corri sem saber porquê;
o atleta ofegante
que não enxerga o caminho
que o leva à fita da chegada.

O mundo deu voltas e voltas,
girando sem parar
e, antes de me ver tonto,
no olho desse furação
brequei o comboio da vida
para ter a tranquilidade de decidir
se ir
ou se voltar.

Hoje voo solto, 
no sépia dos teus olhos doces;
hoje vou solto
no abraço apertado
que faz ouvir o teu coração
batendo no compasso do meu
porque se ir
foi a decisão tomada,
então iremos juntos,
de mãos dadas,
rumo às venturas jamais imaginadas
que, pacientes, nos esperam por vir
porvir,
se ir,
Seir.

domingo, 14 de agosto de 2016

Celebrando a paternidade II

Então, neste dia dos pais, seguindo a “tradição” iniciada no ano passado, quero externar minha gratidão e, dessa maneira também homenagear, a esse cara que me fez um pai melhor: meu filho João Vítor

Lembro-me muito bem a manhã que soube que seria pai de outro menino. Nem foi necessário muito tempo de exame para que o médico asseverasse, com 100% de certeza, que viria outro menino. E, para que não restasse nenhuma dúvida desse fato, deu um zoom na imagem da ecografia: “Tá aqui, ó: é menino mesmo!” e circulou a evidência. Fiquei muito, muito feliz. Bem ou mal, eu já sabia como era ser pai de menino, já estava acostumado, era o que eu sabia ser, portanto a vinda de outro, era bom demais, tranquilizador até, eu diria! Não me traria novidades ou sustos. A verdade é que, desde que eu soube que seria pai pela segunda vez, desejei muito que viesse outro menino. Eu desejava que crescessem juntos, fossem os melhores amigos na infância, adolescência e pro resto da vida.

João Vítor chegou pra me tornar um pai num outro patamar, com um coração maior, mais brando e mais amoroso. Com sua mente brilhante e inquiridora, João me ensinou e ser mais paciente, a buscar mais respostas, a ter mais criatividade nas minhas histórias de pai. Ele me incentivava a ser mais cuidadoso com minha saúde e corpo. Foi com ele que fiz longas e boas caminhadas, uma delas com uma passagem memorável na Ladeira do Arrocha, em Taguatinga, na qual esse meu filho demonstrou grande generosidade e lealdade para comigo.

Os anos se passaram, João cresceu, passou de menino pra adolescente e, a partir daí, tudo aconteceu muito depressa: saiu de casa para estudar num colégio interno, e de lá já foi direto pra universidade.

Acho que é isso: quando dei por mim, havia me tornado pai de um homem barbado que já não morava mais comigo. Hoje vive a milhares de quilômetros distante de mim. Ainda assim, suas atitudes, sua generosidade, sua maneira de interagir me instiga na busca ser um pai cada vez melhor.

domingo, 9 de agosto de 2015

Celebrando a paternidade I

Nem bem o sol havia espreguiçado seu primeiro raio matinal e eu, no escuro dos meus olhos fechados, já matutava sobre quando me tornara pai – porque ser pai é um processo de tornar-se, o que não acontece com a outorga do título de pai: “A partir de hoje, você se torna pai. Aqui está seu certificado, faça bom uso dele!” Não é assim. No meu caso, esse foi um processo que começou vinte e poucos anos atrás, por coincidência, no mês dos pais, no dia em que aquele embrulhinho mexilhento, cheirosinho, lindo nas suas roupinhas bem folgadas, nasceu. Era magrinho, magrinho. Igual a minha inexperiência.

Um mundo totalmente novo se descortinava à minha frente no momento eu primeiramente segurei nos braços aquele ser tão frágil, que posteriormente se revelou tão forte, que nasceu quase que prematuramente, antes das quarenta ou tais semanas, contadas pela medicina atual. Um mundo novo, no qual eu deveria colocar meu uniforme de super-herói e partir pra ação. Ah, meu Deus, logo eu, que muito pouco brincara de Tex, não tivera qualquer treinamento com aqueles bonecos esquisitos que, mais à frente, começou-se a vender para meninos, muito menos tivera TV em casa pra aprender com os marvels da vida.

Quando fui chamado de 'papai' pela primeira vez, eu já havia colocado uma toalha em volta do pescoço, pulado do parapeito da janela da alma nas mil e uma brincadeiras com meu primogênito. Foi um processo bem gostoso, sem, entretanto, experimentar o glamour que se lê corriqueiramente nas crônicas de dias dos pais. Foi um processo com muitos acertos, mas também recheado de tentativas frustradas, receios e medos de não acertar. Tudo aconteceu muito rápido. A maioria das vezes, nem sequer um script havia, enquanto eu já estava lá, bem no meio do set de filmagem. Muitas vezes tive que improvisar, quando o que eu queria mesmo era ter lido um manual de pai pra situações específicas.

Enfim, a verdade é que neste dia dos pais, diferentemente, talvez, da maioria, quero homenagear os meus três filhos, que me tornaram no pai que sou. Especialmente Thales, que nesses dias completará mais um ano, e que com seu pontapé inicial, me empurrou pra galeria dos super-heróis. Feliz dia de hoje!