sexta-feira, 14 de maio de 2010

Primaveras da vida

Mais um fim de uma etapa se aproxima em meio à confusão instalada de caixas espalhadas por todo o lado, tornando o lugar caótico e intransitável. No peito, um sentimento quiçá esquisito, a incompreensível falta daquilo que deixou de acontecer, uma sensação de estranheza pelo que não houve, tão melancólica quanto aquela saudade de tempos que não vivi. E quanto mais a hora se aproxima, maior fica o buraco invisível do que haveria de ser.

Convivo com mudanças desde a tenra infância, quando, por motivos profissionais--se posso considerá-lo assim--vivíamos de cidade em cidade, pelos Brasis interiores. Às vezes, nos mudamos de endereço várias vezes na mesma cidade. Mudanças, portanto, sempre fizeram parte de mim, e hoje, quando passo muito tempo sem me mudar, sinto-me diferente daquilo que sou.

Lembro-me vagamente da primeira vez que nos mudamos. Eu tinha em torno de três anos. Não lembro da viagem, mas lembro que chegamos à tardinha na nova casa, a qual achei bem grande. Curiosa essa sensação de tamanho, porque não tenho memória alguma da casa de onde nos mudamos, entretanto tenho a nítida sensação de ter achado a nova casa enorme. Ela possuía um longo corredor central em cujo final havia duas portas, uma de frente, que dava para cozinha e outra, à esquerda, que dava pra sala de jantar. Na cozinha, o fogão à lenha ficava encostado em uma parede escurecida pela fuligem que saía da chaminé. Lembro-me bem do forno, com sua porta de ferro, de onde mamãe tirou inúmeros e deliciosos bolos de trigo. Porém, a lembrança mais vívida que tenho daquele dia é a de um banheiro de paredes cor de ocre, que ficava de frente para a porta lateral, do fim do corredor. Em cima dele havia uma tanque com alguns peixinhos, conforme me disseram naquela noitinha. Alguns dias após nossa chegada, consegui subir até o tanque e descobri, desolado, que aquela história dos peixinhos não passara de uma invenção.

Inúmeras mudanças já se passaram na minha vida. Algumas físicas, outras emocionais ou psíquicas, como queiram chamar. Ainda assim, sou esse ser mutante e mutável, inacabado, e sempre me encontrando diferente, a cada novo endereço, a cada nova estação.

2 comentários:

  1. Interessante. O melhor de tudo é esse final positivo, construtivo. Nao sabia que você tinha essa natureza adaptada a mudanças constantes. E que bom que você ainda é capaz de transformar essas mudanças em blocos de uma mesma construção.

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  2. E as minhas memórias que teimam em ficar escondidas de mim,ficam aturdidas ao reconhecer-se nas tuas.
    Saudades de ti,Julião!
    Virgulina

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