quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sem nome, nem sobrenome.

Tinha na mão o vidro cheio da loção pós-barba preferida. Seu olhar perdido paralizava o infinito refletido naquele espelho completamente embassado pelo vapor denso e quente que subia da banheira semi-cheia. O silêncio do apartamento era interrompido pelo gotejar da torneira mal fechada. Seria por volta das sete e meia daquela última quarta-feira de novembro? Quem saberia dizer? Não faria diferença mesmo. Para nada. Para ninguém. Para ninguém? Nem para Anna, pensou. Baixou o olhar, transportando-se do infinito para o presente. Pela primeira vez em meses reparou na própria silhueta emagrecida e viril. Um grito silencioso atravessou-lhe o pensamento, sufocando-lhe a garganta. Um pedido de socorro? Um soluço?

Olhava atentamente, mas não se reconhecia. Tentava, ainda que tardiamente, compreender toda aquela mudança. Tentava, mas não conseguia. As mãos tremiam, as pernas tremiam, o corpo febril ardia, abrindo-lhes os poros de onde saiam gotas geladas de suor. Seu olhar voltou-se novamente para o infinito. Quis sorrir. Os lábios entreabriram-se num sorriso de Mona Lisa. Não ouviu o telefone tocar. Fechou os olhos, deixou cair a cabeça para trás e encheu os pulmões com o aroma amadeirado que naquele instante subia da cerâmica fria, incensando todo o banheiro. O telefone continuava tocando. Pois que toque. Sentou-se na borda da banheira, sereno como serenas são as cálidas manhãs outonais dos novembros californianos. Não teria pressa. Não havia porquê. A água quente contrastava com a frieza dos seus atos, milimetricamente calculados e talvez alguém até ousasse pensar que também fora calculada a sincronia perfeita do toque do telefone com o vidro de perfume que escorregara de suas mãos.

- Alô, Cizinho? Alô? Cizinho, fala comigo, por favor...

Não, por favor, digo eu. Sem nomes, sem nomes.

- Cizinho, atende esse telefone, anda. Posso passar aí? Tô passando aí, viu? ... Cizinho? ...

Shhhh... O dedo nos lábios, no gesto universal de silêncio, dividia equitativamente o sorriso de La Gioconda. Shhh, não fala nada, por favor. Não diga nada. Não diga nomes...

O olhar turvado pelo carmesim que tingia a água da banheira há muito já não se fixara no infinito. Nem no presente. Ou no passado. Olhava, mas já não via. Nem ouvia mais o gotejar da torneira incansável.

Do outro lado da rua passava o coletivo em direção ao centro. Acomodados confortavelmente em suas cadeiras, Josés flertavam com Marias que, sorrindo candidamente, retribuiam-lhes os olhares sedutores.

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