quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O Natal que eu quero

Eu quero um Natal no interior, com papai lendo um texto de Mateus no culto doméstico, seguido da música "Nasce Jesus, fonte de luz!" regida por mamãe, que cantava o tenor.

Eu quero pedir para mamãe me fazer uma linda camisa de Natal (Não, não é uma camisa decorada com renas, sinos, trenós e Papai-Noel. Nada disso. É uma camisa nova, costurada com fazenda comprada naquela loja de Seu Cícero, que fica na praça central da cidade). A camisa é para ser inaugurada no Culto de Natal, juntamente com a elegante calça de brim, vincada do cós ao abanhado, comprada na feira em finais de novembro.

Eu quero um pinheirinho pequeno no canto da sala, sem luzes pisca-pisca, mas lindamente adornado com aquelas frágeis bolas de vidro que tantas vezes me cortaram a mão. Eu quero a surpresa daquelas caixas cuidadosamente embaladas em papel presente, que encontrávamos embaixo das nossas camas, ainda que eu soubesse que lá haveria um par de sapatos pretos vulcabrás, para serem usados na escola no ano seguinte. Ou um vidro de perfume Alfazema.

Eu quero aquela antecipação gostosa no meu espírito ao escutar mamãe comentar os preparativos para a noite de Natal, com arroz-doce, cravo e canela, talvez.

Eu quero a expectativa de chegar à igreja e vê-la decorada com bolas coloridas e festão, mas sem os tais campanários nevados de frio. Eu quero um Natal que eu possa cantar muitos hinos natalinos desde a primeira escola dominical de dezembro. Eu quero abrir o maior bocão e cantar junto com a congregação "Alerta! Ó terra entoa a nova alegre e boa!"

Eu quero aguardar ansiosamente pela solenidade do culto de louvor com a participação especial do coral, vestido com becas cor de vinho e tala branca nos pescoços, cantando os tradicionais hinos de Natal ensaiadas desde outubro, cantados majestosamente a quatro vozes, sem orquestra, sem carrilhão, sem xilofones, sem sinos, sem guitarra nem percursão, mas com a organista pedalando freneticamente o harmônio de canto, dando as notas iniciais dos quatro naipes de cada a música entoada.

Eu quero ver todo mundo alinhado, com expressão feliz falando dos planos para o futuro. Eu quero encontrar todos os meus colegas contentes por terem passado de ano, mesmo aqueles que haviam ficado de recuperação.

Eu quero a ternura dos abraços afetuosos e dos desejos sinceros de Feliz Natal, ao final do culto solene do dia 25. Eu quero a esperança de um futuro bom, de paz e harmonia, feito de sonhos doces, como doces eram os peixinhos de chocolates trazidos pelos tios da capital, que invariavelmente nos visitavam no dia 26.

Eu quero um Natal assim: simples e bom.

2 comentários:

  1. Juão, quase chorei. Foi como voltar no tempo, as coisas simples, algumas que nem existem mais, como as bolas de aljofar que quebravam e machucavam a mão. Como os presentes úteis e sem graça, que nunca eram brinquedos. Como a emoção do culto de Natal na nossa igreja, com a representação do nascimento de Jesus, com manjedoura, pastores com roupas listradas e cajados de madeira, que sempre esqueciam seus textos, diante dos sorrisos abafados das pessoas presentes. Ah, Juão, viajei.

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  2. Lindo. Sentí o cheirinho de alfazema e lembrei de mamçae alisando meu pé enquanto colocava a meia nova...
    Mel

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