
Olhava atentamente, mas não se reconhecia. Tentava, ainda que tardiamente, compreender toda aquela mudança. Tentava, mas não conseguia. As mãos tremiam, as pernas tremiam, o corpo febril ardia, abrindo-lhes os poros de onde saiam gotas geladas de suor. Seu olhar voltou-se novamente para o infinito. Quis sorrir. Os lábios entreabriram-se num sorriso de Mona Lisa. Não ouviu o telefone tocar. Fechou os olhos, deixou cair a cabeça para trás e encheu os pulmões com o aroma amadeirado que naquele instante subia da cerâmica fria, incensando todo o banheiro. O telefone continuava tocando. Pois que toque. Sentou-se na borda da banheira, sereno como serenas são as cálidas manhãs outonais dos novembros californianos. Não teria pressa. Não havia porquê. A água quente contrastava com a frieza dos seus atos, milimetricamente calculados e talvez alguém até ousasse pensar que também fora calculada a sincronia perfeita do toque do telefone com o vidro de perfume que escorregara de suas mãos.
- Alô, Cizinho? Alô? Cizinho, fala comigo, por favor...
Não, por favor, digo eu. Sem nomes, sem nomes.
- Cizinho, atende esse telefone, anda. Posso passar aí? Tô passando aí, viu? ... Cizinho? ...
Shhhh... O dedo nos lábios, no gesto universal de silêncio, dividia equitativamente o sorriso de La Gioconda. Shhh, não fala nada, por favor. Não diga nada. Não diga nomes...
O olhar turvado pelo carmesim que tingia a água da banheira há muito já não se fixara no infinito. Nem no presente. Ou no passado. Olhava, mas já não via. Nem ouvia mais o gotejar da torneira incansável.
Do outro lado da rua passava o coletivo em direção ao centro. Acomodados confortavelmente em suas cadeiras, Josés flertavam com Marias que, sorrindo candidamente, retribuiam-lhes os olhares sedutores.
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