Hoje minha manhã foi melancolicamente triste. Uma manhã com sabor de oco no estômago. De ninho esvaziado pelo vôo da minha andorinha. Um vôo anunciado há muito. Dias, meses, anos, sei lá quanto tempo! Na verdade, desde sempre, porque filhos não nascem pra ficarem grudados nos coses das calças dos pais. Aliás, eles nascem pra saírem de casa. É a ordem natural da vida. É o normal e esperado. A gente vê crianças crescerem e saírem de suas casas todos os dias. Todos os dias. E a gente assiste isso acontecer com muita naturalidade nas casas dos nossos vizinhos, dos nossos parentes, dos nossos amigos e exclama, num suspiro conformado: é a vida! E a gente meio que internaliza esse processo corriqueiro de despedida dos filhos. Ou melhor, pensa que internaliza. Até que essa despedida acontece na nossa casa. E, não mais que de repente, a gente se dá conta que nunca esteve preparado pra esse momento.
Hoje, pela manhã, enquanto a acompanhava ao
corredor que dava acesso ao portão de embarque me percebi atordoado, sem saber
o que dizer ou como proceder diante daquele quadro inexorável que se me
apresentava nada familiar, nunca natural e muito menos corriqueiro. Ali ia o
meu coração trêmulo querendo segurá-la e gritar: FICA MAIS UNS DIAS, PLESE! E, à
medida que seguíamos, meu velho coração soluçava internamente seu pranto
abafado pelo barulho do aeroporto. Minha voz, enrouquecida pela emoção,
balbuciava desconexos “vai dar tudo certo, filha!” tentando disfarçar o nervoso
da despedida, o medo da separação, a dor da insegurança e da impotência por
vê-la partir assim, para longe de mim, sem outra certeza humana que não o vazio
da separação iminente, implacável, austero e estranhamente real.
E na minha mente passava o filme da sua vida,
recheado de bons e felizes episódios, todos editados pelo coração de pai
apaixonado: “Gabe princesa: de menina à mulher.” E a cada flashback eu queria
pegá-la nos meus braços e sequestrá-la para longe daquele corredor. Correr de
dor. Correr da dor daquele adeus. Segurá-la e dizer: você é minha, você não
vai! Oh, Gabe, que falta você faz. Que buraco que ficou nessa Taguatinga
enorme. Você será sempre minha menina. No meu coração eu sempre pentearei seus
lindos cabelos ondulados, farei cachos bonitos e, quando chegar a casa, cansado
do trabalho, deitarei no sofá e emprestarei minha cara para você treinar suas
pinturas...
Então nós nos sentamos um pouco, abraçados e
silentes. Aí você me pediu: “pai, ora por mim.” As tantas orações que já fiz
por você não serviram de ensaio para aquela. Eu nem sei o que pedi a Deus.
Naqueles instantes de silêncio, meu coração urrava intensamente. Os olhos
fechados, em vão tentavam conter as comportas da alma e minha boca tremia, sem
saber como e o que orar... Só a caminho de casa, enleado pela saudade pungente,
tive condições de racionalmente agradecer a Deus pela dádiva de ter tido você
como filha. De olhar hoje para você e reconhecer as tantas coisas bonitas que
há em você, presente de um Deus graciosamente bom para comigo. Confessar meu medo
de perdê-la, mas saber que ELE tem o controle total de sua vida e que, ainda
que em algum momento você ande por um vale de tristeza e de dor, ELE estará com
você. Também me lembrei de pedir que em cada dia você se volte mais para ELE e,
como diz a Palavra de Deus – a qual lemos tantas vezes juntos – “confie no
Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento.
Reconheça-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas*.” Foi
essa minha oração por você, Gabe.
Uma vez, você ainda era criança, eu falei que no
dia do seu casamento eu gostaria de cantar uma música do Vinícius de Moraes,
chamada “Eu sei que vou te amar”. Hoje não foi o dia do seu casamento, tampouco
aquele corredor era o que lhe levaria ao altar, entretanto, enquanto você
seguia naquela fila, eu cantava de mim para mim mesmo:
Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Pra te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa ausência tua me causou
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que essa ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida
I
love you, sweet heart. Never forget that I am and will always be here for you,
no matter what. Despite the troubles the life might bring, I do expect you to
overcome all of them and be successful because of what’s inside of yourself. I
know the strong girl I helped bring up.
All
my love,
Dad
*Provérbios 3:5,6